sábado, 28 de março de 2020

A mudança começa no interior

"- Capitão, o menino está preocupado e muito inquieto devido à quarentena que o porto nos impôs.
- O que te inquieta, menino? Não tens comida suficiente? Não dormes o suficiente?
- Não é isso, Capitão. É que não suporto não poder ir à terra e abraçar minha família.
- E se te deixassem sair do navio e estivesses contaminado, suportarias a culpa de infectar alguém que não tem condições de aguentar a doença?
- Não me perdoaria nunca, mas para mim inventaram essa peste.
- Pode ser, mas e se não foi inventada?
- Entendo o que queres dizer, mas me sinto privado da minha liberdade, Capitão, me privaram de algo.
- E tu te privas ainda mais de algo.
- Está de brincadeira, comigo?
- De forma alguma. Se te privas de algo sem responder de maneira adequada, terás perdido.
- Então quer dizer, segundo me dizes, que se me tiram algo, para vencer eu devo privar-me de mais alguma coisa por mim mesmo?
- Exatamente. Eu fiz quarentena há 7 anos atrás.
- E o que foi que tiveste de te privar?

- Eu tinha que esperar mais de 20 dias dentro do barco. Havia meses em que eu ansiava por chegar ao porto e desfrutar da primavera em terra. Houve uma epidemia. No Porto Abril nos proibiram de descer. Os primeiras dias foram duros. Me sentia como vocês. Logo comecei a confrontar aquelas imposições utilizando a lógica. Sabia que depois de 21 dias deste comportamento se cria um hábito, e em vez de me lamentar e criar hábitos desastrosos, comecei a comportar-me de maneira diferente de todos os demais. Comecei com o alimento. Me impus comer a metade do quanto comia habitualmente. Depois comecei a selecionar os alimentos de mais fácil digestão, para não sobrecarregar o corpo. Passei a me nutrir de alimentos que, por tradição histórica, haviam mantido o homem com saúde.
O passo seguinte foi unir a isso uma depuração de pensamentos pouco saudáveis e ter cada vez mais pensamentos elevados e nobres. Me impus ler ao menos uma página a cada dia de um argumento que não conhecia. Me impus fazer exercícios sobre a ponte do barco. Um velho hindu me havia dito anos antes, que o corpo se potencializava ao reter o alento. Me impus fazer profundas respirações completas a cada manhã. Creio que meus pulmões nunca haviam chegado a tamanha capacidade e força. A parte da tarde era a hora das orações, a hora de agradecer a uma entidade qualquer por não me haver dado, como destino, privações graves durante toda minha vida.
O hindu me havia aconselhado também a criar o hábito de imaginar a luz entrando em mim e me tornando mais forte. Podia funcionar também para as pessoas queridas que estavam distantes e, assim, integrei também esta prática na minha rotina diária dentro do barco.
Em vez de pensar em tudo que não podia fazer, pensava no que faria uma vez chegado à terra firme. Visualizava as cenas de cada dia, as vivia intensamente e gozava da espera. Tudo o que podemos obter em seguida não é interessante. Nunca. A espera serve para sublimar o desejo e torná-lo mais poderoso. Eu me privei de alimentos suculentos, de garrafas de rum e outras delícias. Me havia privado de jogar baralho, de dormir muito, de praticar o ócio, de pensar apenas no que me privaram.
- Como acabou, Capitão?
- Eu adquiri todos aqueles hábitos novos. Me deixaram baixar do barco muito tempo depois do previsto.
- Privaram vocês da primavera, então?
- Sim, naquele ano me privaram da primavera, e de muitas coisas mais, mas eu, mesmo assim, floresci, levei a primavera dentro de mim, e ninguém nunca mais pode tirá-la de mim."
in Livro Vermelho de Carl Jung

Foi, até ao momento, o texto que melhor se relaciona com a fase em que vivemos... também nós estamos de quarentena; também nós estamos impedidos de fazer muitas das rotinas a que estávamos habituados; também nós nos sentimos privados da nossa liberdade! Mas também nós temos uma escolha. Podemos escolher olhar para a nossa realidade sob a lente do que nos foi tirado, do que não temos, ou escolher olhar sob a lente do que temos neste momento e do que podemos fazer com isso. 
Eu, tal como o capitão, tenho feito algumas alterações na minha rotina... também eu tenho alterado a minha alimentação, tenho feito exercício diário, meditação e lido algo novo todos os dias... ainda só passaram 12 dias desde que me convidei a fazer esta mudança! Não sei quanto tempo vai durar mas, tal como ele referiu, também espero que, no final desta quarentena, passem a fazer parte de mim! 

Porque não se juntam a mim neste desafio? Porque não escolher algo que gostariam de mudar e aproveitar esta altura em que estamos com os movimentos mais restritos e passamos mais tempo em casa para implementar durante 21 dias? Ler, meditar, fazer exercício físico, dançar, cozinhar mais saudável, deixar de comer carne, comer legumes todos os dias, beber mais água? Algo que sintas que pode melhorar o teu bem estar.  Um convite para nos tornarmos mais fortes física e mentalmente! 

Fotos: 1- ArtTower em Pixabay; 2-Rebekka D por Pixabay;  3- Gerd Altmann em Pixabay 

4 comentários:

Mary disse...

Muito bonita e inspiradora esta história! E ainda bem que tu, tal como o capitão, estás a conseguir por em prática a mudança! Força, coragem e perseverança para esta fase... Se conseguires criar melhores rotinas com certeza que também tu sairás desta quarentena com a primavera dentro de ti...
Eu até gostava de aceitar o teu desafio, mas não tem sido nada fácil... Não porque estou farta de estar em casa, ou porque me sinto presa, ou porque acho que me estão a privar de algo... Até agora, e ainda só estou há 15 dias em isolamento social, sinto-me bem. Claro que sinto falta de estar com pessoas, de beijar, tocar, abraçar amigos chegados e principalmente a família, mas não conseguiria lidar com o facto de eu estar a prejudicar pessoas tão queridas pelo meu capricho de "ter" que estar com elas... Mesmo sem toque, quem me é querido está sempre no meu pensamento e coração, e deste modo (e também graças às novas tecnologias) sinto-me sempre acompanhada!

Mas porque é que não me sinto capaz de aceitar o desafio?! Na verdade eu tenho tentado, mesmo antes de ter essa consciência... A verdade é que o problema de antes é o mesmo problema de agora... falta de tempo! Para mim, e nestes últimos 15 dias, não me tem sobrado tempo, não tenho sentido tédio nem tempos mortos... Pelo contrário... são tantas as coisas que tenho para fazer neste meu navio que dificilmente estou parada! Mas vou pensar com carinho no teu desafio e talvez me consiga organizar melhor e, quem sabe, isso já seja o início de uma mudança interior...

Mel* disse...

Eu acho que se parares para pensar com carinho no que poderias mudar de forma a incorporares na tua rotina algo que gostarias de fazer ou algo que poderia ser útil para a tua saúde, já é sem dúvida o início da mudança! Contudo, infelizmente não é suficiente... depois dessa parte, é mesmo necessário passar à ação :)

Digo-te eu que, muitas vezes arranjo formas de não mudar: "Ah, começo no dia 1 do próximo mês!". "Agora é 5a feira, já não vale a pena, começo na próxima segunda!" "Agora é inverno, está frio e chuva. Mas assim que começar a primavera, começo logo...!" etc, etc, etc Por isso, a melhor altura de começar, é sempre AGORA!!!

Força! Começa com algo que não seja muito exigente, para conseguires cumprir e não desistires logo;)

Mary disse...

Embora o meu comentário anterior tenha sido publicado no dia 1 de Abril não foi mentira =P
No entanto, li a tua resposta e tenho acompanhado a tua dedicação e o teu compromisso, e depois do teu "convite" para experimentar a prática de Yoga em casa, senti-me inspirada e decidi propor-me a um novo desafio... E assim, não satisfeita com um, na verdade aproveitei a maré e estando interligados uns com os outros na verdade defini 3: durante 30 dias, fazer a prática de yoga (adicionado à minha prática habitual de duas aulas por semana de Pilates), beber mais água (mínimo 1L por dia) e pôr creme no corpo! Hoje é o terceiro dia desta mudança, vamos ver se chego até ao dia 12 de Maio a cumprir esta meta (com ou sem isolamento social) =P

Obrigada por me convidares a encontrar a melhor versão de mim! Obrigada por me ajudares no caminho, por não me julgares quando desisto, e ainda me incentivares a recomeçar! Obrigada por estares na minha vida! Obrigada por seres quem és e partilhares com o mundo um bocadinho de ti através deste teu espaço lindo!

Continua a escrever e a inspirar quem te lê ;)

Mel* disse...

Que bom que fez sentido para ti desafiares-te e propores-te a novos desafios! Só quando nos desafiamos a fazer coisas diferentes, é que conseguimos alcançar resultados diferentes! Por vezes não temos vontade de fazer, apetece desistir, mas podemos tentar perceber o que nos faz querer desistir? É só mesmo por preguiça ou existe outro motivo? Se for mesmo por preguiça, então quiçá podemos tentar vencê-la só por hoje!
Estou aqui a torcer por ti, por esses 3 desafios, e também pelo 4, que sei que entretanto adicionaste :) Força!!

Ainda bem que conseguimos caminhar lado a lado, em que à vez, vamos puxando uma pela outra! Obrigada também a ti, por me empurrares e puxares tantas vezes! Obrigada por estares sempre aqui! E obrigada por me leres, porque nem que seja só por isso, já faz sentido continuar a vir aqui escrever!

Lov U sis <3